terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Entrevista com Thereza Hermanny

Para inaugurar o Samba & Rock, aí vai uma entrevista com a senhora Thereza Hermanny, Dona Thereza, como passou a ser chamada carinhosamente por mim, Geórgia Detogne e Adriana Gonzaga, os três entrevistadores.

A conversa aconteceu em 2004, quando éramos três estudantes de jornalismo jovens demais para abarcar a genialidade do Tom em poucos dias de leitura voraz de qualquer biografia ou livro sobre a Bossa Nova. Ou seja, tinha tudo para dar errado, mas deu certo, pois a conversa rendeu um bate-papo ligado às experiências de um casal que viveu em uma época de ouro da música brasileira no século passado. No final da entrevista, ela se pega falando do Maestro no presente, mas como não falar dessa maneira? Os gênios sempre arranjam uma maneira de continuar entre nós. Recomendo ler a entrevista ouvindo qualquer disco do Tom.

Samba & Rock - Gostaria que a senhora falasse, primeiramente, como era o tratamento dele com os filhos, com o Paulo e com a Elizabeth.

Thereza Hermanny - O Tom era muito espontâneo. Ele era mais problemático com a imprensa. Era muito tímido. Mas, em casa, assim, era uma presença. Ele era muito presente, alegre, brincalhão, embora muitas vezes, em grandes períodos, a gente estivesse muito afastado. Mas, quando ele estava presente, ele era muito presente. (Thereza começa a falar sobre a primeira viagem do casal à Nova Iorque). Tivemos que viajar e a Beth tinha cinco anos. Eu não queria ir, mas o Tom não queria voltar porque achou que, já que ele estava lá, deveria conhecer um pouco como era tudo. O pessoal (músicos americanos) estava fazendo versões para as músicas dele. Todas muito convencionais e eram originais. O Tom estava muito chocado com isso e quis ficar mais tempo.

S & R - Tem uma história no livro da Helena Jobim (Antônio Carlos Jobim: um homem iluminado – Editora Nova Fronteira) sobre Garota de Ipanema que na hora de fazer a versão em inglês...
 
T H - Ninguém queria que fosse Ipanema (risos). A palavra "Ipanema" perturbava, eles não sabiam o que era.

S & R - Alguém colocou Ipana, que era o nome de uma...

T H - De uma pasta de dente! Eles alegaram que isso podia confundir. Eles (americanos) teriam tendência de Aipanima, que também não era o caso. Tinha que ter a gravação "Ipanema". E o Tom ficou discutindo esse assunto até que conseguiu manter Ipanema. Às vezes Aipanima (risos). Mas funcionou depois de bastante discussão.

S & R - E para o Paulo? Como era o tempo em que ele ficava longe de vocês?

T H - Paulinho já era grande. Quer dizer, já tinha 12 anos, então ele já entendia. Ele estava acostumado com a ausência de algum tempo. Naturalmente, nunca foram tantos meses como foi essa primeira. Mas eles tinham um convívio muito constante com minha sogra e meu sogro. De modo que minha sogra e meu sogro eram como segundo pai e segunda mãe porque, quando Paulinho nasceu, eu ainda morava com meu sogro e minha sogra e já tinha a prima dele, a Soninha. Muitas vezes a gente não ficava o tempo todo, a gente ficava uma semana e vinha para o Rio a trabalho, depois voltava. Esse lado principalmente Paulinho já estava bem acostumado. A Beth também, porque todos os anos nós íamos para o sítio nas férias. As crianças passavam os três meses maravilhosos naquela época.

S & R - O sítio na Região Serrana, em Poço Fundo?

T H - É. Aquilo lá foi um refúgio muito bom. Um lugar que não tem nada lá. Nem vida rural propriamente também não tem. Teve muito tempo um aviário. Uma coisa muito sem graça. Tom tinha horror àquelas galinhas (risos), coitadas, confinadas. Ele que estava acostumado com pássaros livres nas florestas e tal. Ele gostava de ver (em janeiro de 2011, por causa das chuvas que atingiram a Região Serrana, o sítio foi destruído).

S & R - O sítio serviu muito de inspiração para o Tom?

T H - Muita coisa ele fez lá, muita coisa. O Tom era muito contemplativo, ele via tudo, ele tinha aquele olho 360 graus e o ouvido mil graus. Ele tinha uma ligação incrível com tudo.

S & R - Com ecologia também?

T H - Com ecologia, com a beleza das coisas. Era uma pessoa muito rica nesse sentido.

S & R - Havia uma granja que era dos tios dele.

T H - Do tio do violão na infância.

S & R - Que foi quem o ensinou?

T H - Quem ensinou mesmo foi o outro tio. Eram dois. O irmão da mãe, Marcelão (Marcelo de Almeida), era seresteiro, boêmio e tinha muitos amigos. E o João Madeira, que estudava aquele violão clássico com banquinho. Quem deu mais instrução de violão foi o João Madeira. Mas eram dois tios que lidavam com música e as tias cantavam.

S & R - Então sendo um mais voltado para o lado boêmio da música e o outro mais...

T H - Mais para o lado clássico (risos), completou a personalidade louca, como vocês sabem, que virou o Tom Jobim. A Helena, irmã dele, também cantava.

S & R - E foi pela Helena que a senhora conheceu o Tom?

T H - Não. Nós éramos do mesmo colégio, eu e Helena, mas isso foi circunstancial porque eu conheci o Tom na praia, jogando vôlei. Aí, quando acabou o vôlei, a barraca que ele estava era a mesma que a minha. Eu cheguei depois. Quando cheguei, eles estavam jogando vôlei e, quando acabou, eu estava conversando com um amigo dele. Acabou o vôlei, o Tom apareceu, começou a implicar comigo e aí começamos a namorar.

S & R - Então, é essa passagem que diz no próprio livro da Helena Jobim, que o Tom primeiramente implicava e que depois ele foi mudando de opinião?

T H - Era para implicar mesmo, para eu ficar nervosinha e fiquei, naturalmente. Não podia namorar, então era um estado de terror o tempo todo. Era aquele namoro de antigamente, muito diferente do que é hoje.

S & R - Como o Tom conseguiu essa proeza?

T H - Ele custou muito a conseguir. Foi até engraçado porque eu me casei com dezenove anos, comecei a namorar com doze, com uma porção de brigas no meio do caminho. Aí meu sogro (Celso Frota Pessoa, padrasto de Tom Jobim) foi me pedir em casamento. E meu pai não entendia porque o Tom não tinha um emprego, estava estudando piano.

S & R - E quais eram os estudos do Tom nessa época?
 
T H - Clássico. Na verdade, não sei como está acontecendo hoje. Eu vejo muita gente que não estuda os clássicos e sai tocando piano. Mas naquele tempo você não escapava de estudar determinadas peças, que eram mais ou menos as peças que você tinha que fazer o exame no conservatório para ter o diploma: Bach, Chopin e Beethoven.

S & R - Além dos europeus, ele tinha um foco grande no Villa-Lobos também...

T H - Villa-Lobos nessa fase ele gostava, mas não era uma coisa ainda fundamental no sentido de que o Villa-Lobos não é muito instrumental.

S & R - Como que surgiram as parcerias com Vinícius de Moraes, Chico Buarque?

T H - O Tom é muito brincalhão (sem querer fala no presente, então, ele estava sempre fazendo uma bobagem, uma brincadeira. De vez em quando, a brincadeira virava uma coisa séria. Quem estivesse ali e desse um palpitezinho entrava na letra. A do Juquinha (João Stockler, baterista que gravou com o Tom Jobim) foi até engraçada. Juquinha era baterista e tinha começado na casa do Tom. E o Juquinha uma vez estava muito triste porque uma namorada dele tinha ido embora. Ele reclamou: "uma semana que não vejo meu amor". O Tom pegou a deixa e começou: (cantarolando) "Faz uma semana que não vejo meu amor" (que virou a música Faz Uma Semana). O Tom fez a letra, depois disse ao Juquinha: "Olha, eu gravei aquela música. Vai lá assinar sua autorização".

S & R - A senhora tinha a preocupação de juntar o material dele?

T H - Isso também era um horror. Ele tinha preguiça de ficar escrevendo porque não tinha gravador. Cada cantor que ia gravar tinha uma tonalidade própria. Então, ele sentava e escrevia aquilo na base das bolinhas. E o cantor pegava aquilo e ia embora. Daqui a pouco vinha outro e você tinha que fazer outra vez a mesma coisa. Então, imagina quantas vezes "Se todos fossem iguais a você" o Tom escreveu.

S & R - Tem algum momento na carreira do Tom que a senhora considera especial?

T H - Eu acho que a época de maior inspiração foi aquele princípio da carreira dele. Que era uma época em que ele tinha poucos compromissos e que estava tudo muito espontâneo, tudo muito fácil, tudo sem responsabilidade maior. O Tom precisava de tempo vazio para deixar vir a música. Eram duas maneiras de compor: uma era essa que ele considerava a verdadeira composição, que vinha do além e a outra era uma coisa que ele inventou, uma coisa filosófica. "O produto do trabalho é o resultado". Parece enigma. (risos)

S & R - Voltando ao assunto do sítio, o que eu percebi é que dá para fazer uma relação da escolha da casa parecida com a do Santos Dumont, em Petrópolis.

T H - Aliás, não foi o Tom que quis, mas o nosso cunhado que estava construindo a casa do Poço Fundo. Fez aquela escada do Santos Dumont lá na nossa casa porque o Tom queria um mezanino e aquela escada é uma complicação. (risos) Acho que a Helena conta que ele rodou vendo uma porção de casas. Entrou lá na Codajás (rua no Leblon) foi tão engraçado. Ele entrou com o dono da casa. O dono da casa era engenheiro. A casa era estranha, a divisão dela, porque ele fez a casa pra família dele. Um quarto enorme para três filhas, um quarto pequenininho para o escritório. Ele adorou a maneira do homem construir, os cuidados (risos). O homem deve ter passado uma conversa nele. E ele deve ter feito todas aquelas perguntas. Tom faz cada pergunta. Fico falando no presente.
 
S & R - O Tom tinha muita preocupação com o universo dele?

T H - Com o de todo mundo. Ele não se conformava que se estragasse a terra. Se cultivassem esse lugar maravilhoso que nós temos, não precisava ir a lugar nenhum. Mas estragam tudo e gastam fortunas para ir lá e ver a água que sobrou no Pólo Sul não sei-de-onde.

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